sábado, 19 de janeiro de 2013

O sapo e o vagalume


Entre o gramado do campo
Modesto, em paz, se escondia
Pequeno pirilampo
que, sem o saber, luzia.

Feio sapo, repelente,
Sai do córrego lodoso,
Cospe a baba, de repente,
Sobre o inseto luminoso.

Pergunta-lhe o vagalume:
- "Porque me vens maltratar?"
E o sapo com azedume
- "Porque estás sempre a brilhar!"


Poesia do blog http://somentess.blogspot.com.br/2010/07/o-sapo-e-o-vagalume.html

                Situações parecidas na essência se repetem... Quando voltei pro Brasil,  comecei a procurar trabalho porque estava na lona total e precisava realmente de qualquer coisa.  Fiz uma entrevista numa escola de música dessas de bairro e o diretor, além de duvidar em maneira sarcástica do meu currículo, não me deu o trabalho e ainda saiu com essa: “Só sei falar português”.  Fiquei parada olhando o cara sem entender nada, e depois dessa frase ele se despediu mais ou menos educado.  Não entendi na hora. O que o fato dele saber ou não mais línguas tinha a ver com a relação de trabalho que tentava estabelecer?
                Fui gravar algumas músicas num estúdio de bairro nesses dias. Paguei barato, aquele barato que sai caro. Essa foi terceira e última vez que trabalho com essa pessoa. Na primeira, as pessoas que encomendaram músicas eruditas me levaram lá, e na gravação ouvi que saíram rumores da cadeira do piano, mas tirando isso, a gravação estava boa. Na segunda, falei do rumor da cadeira, trocamos o assento e gravei três músicas minhas no piano que ficaram muito boas. Só que desta vez, o trabalho foi péssimo.  O cara foi bem displicente ou é um técnico de som que não ouve o que ouço, ou... Percebi que estava vazando sons da cabine dele, como movimentos dos pés, da sua cadeira, mordida na maça que comia enquanto trabalhava... Falei. Ele disse que não estava ouvindo. Continuamos a gravação e enquanto tocava, continuava a ouvir os sons da sala técnica. Terminei a música e falei de novo. Ele disse que não era possível. Aí percebi que tinha um cabo que impedia que a porta se fechasse totalmente. E nessas já tinha gravado duas músicas... Bom, aí ele admitiu que podia ser que isso que estava acontecendo. Trocou o cabo, fechou a porta, mas aí a relação humana ficou péssima.  Daí pra frente foi bem triste. O resultado é que as músicas estão imprestáveis e em duas delas dá pra ouvir o metrônomo.
                O cara disse que era desafinada, que cantava muito baixinho, sem emoção... E nisso já tinham passado três das cinco horas de estúdio. Não quis reagir pra não aumentar a tensão. Podia ter perguntado a ele se já tinha ouvido falar de João Gilberto; podia ter perguntado pra ele o que ele entendia por afinação; podia ter perguntado a ele com o que ele se emocionava, mas não fiz. Ouvi o que ele dizia, procurei tratá-lo bem, mesmo porque me pediu desculpas por ter deixado o microfone da sala de som aberto (um dos possíveis motivos pro som da mesma ter vazado na gravação) e por ter deixado na gravação o barulho do metrônomo, que depois de colocarmos o volume no máximo e dele ter escutado em silêncio, finalmente percebeu. Também voltou atrás no quesito afinação depois de ouvir a melodia tocada no piano. Queria “corrigir”, porque as notas não pertenciam ao acorde e lhe soavam estranhas. Entendi que entre nós havia um abismo e que nossas percepções eram muito diferentes. Paciência. Paguei o cara, e fui embora bem triste.
                O que existe em comum nessas duas experiências é que algo em mim os incomodou. É a velha história do sapo que queria ser vagalume, não tem jeito, é um troço que preciso lidar. Ou então, procurar minha turma. 

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