Soube de uma
mulher que depois de uma experiência espiritual começou a “receber” canções e
que queria gravar um CD com essas músicas para presentear o Universo. A
história foi relatada em maneira fragmentada, e com essas informações,
comecei a questionar esse presente ao universo...
Qualquer espiritualista sabe
que muitos trabalhos são feitos no anonimato: é o yogue que medita na caverna, é
o espiritualista que trabalha energia em casa, é a dona de casa que faz suas
orações antes de dormir; é toda e qualquer pessoa que faz brilhar seu coração, que ama, que quer o bem
sem olhar a quem, que se encanta com as nuvens e o céu azul, que transborda
amor pela vida, que expande sua LUZ. Então, fico pensando quais são as motivações reais para essa senhora gravar um CD ao invés de cantar sozinha, ou pra sua família, amigos, comunidade? Não seria uma necessidade do
ego? E por que não aceitar essa necessidade do ego ao invés de colocar uma capa de espiritualidade generosa e um tanto quanto pretensiosa: presentear o universo !!! É que às vezes é mais fácil inventar fantasias pra se afastar do cotidiano das experiências particulares de vida do que agir de acordo com a real expressão de alma nesta encadernação, e estou sendo dura porque o buraco é mais em
baixo, bem mais em baixo...
Sei de muita gente que “recebe” músicas, pra
mim já aconteceu e algumas vezes consigo reconhecer se vem do meu repertório ou
se vem de outros lugares. Mas o que as pessoas fazem com essas músicas? Ou melhor, o que podem fazer? Sei o que fazer com o que recebo:
escrevo uma partitura, procuro pessoas que possam tocá-las ou eu mesma me apoio
no piano e canto. Se quero gravar um CD, saio por aí procurando financiamento
ou trabalho como louca pra pagar do meu próprio bolso, porque as coisas neste
planeta acontecem assim: a inspiração
pode ser divina, mas a realização é neste plano material. O que quero dizer é
que só inspiração não basta, é preciso saber como concretizar, e nem todo mundo
é capaz ou está disposto a arcar com os ônus de se tornar um receptáculo apropriado,
a desenvolver habilidades que levam anos de estudo cotidiano; nem todos os que
são inspirados estão dispostos a mudar suas vidas e colocar a mão na massa, na
massa material.
Outro dia um grande amigo, quando perguntei por que ele não
compunha mais já que suas músicas eram maravilhosas, me respondeu que uma vez
ouviu de seu professor: “Se você consegue viver sem compor, faça outra coisa.” Ele
consegue viver sem compor, eu não. Fica aí a sugestão pra essa senhora.