domingo, 13 de maio de 2012

Ser Multicultural


                Outro dia, numa disciplina do mestrado, um amigo falou que todo brasileiro precisa conhecer a riqueza de sua cultura e expressá-la. Concordo, mas... legal mesmo é cada um ser verdadeiro, expressar sua arte de acordo com sua história de vida, com suas “verdades” e a minha é multicultural.

                Nasci no Brasil, filha de ucraniano de origem alemã e neta de romenos, também de origem alemã, todos luteranos apesar de não praticantes, com uma tia-bisavó judia. Passei minha infância num bairro onde a maior parte das crianças eram filhos ou netos de imigrantes: japoneses, italianos, sírio-libaneses, espanhóis, portugueses, russos... Meu tio era filho de índia com espanhol, minha madrinha nasceu em Istambul, nas festas do meu primo “brasileiro” minha mãe fazia a voz grave nas músicas caipiras com a tia que tocava violão, e depois eu sambava feliz, sem me importar com os passos germânicos – que talvez nem fossem tão teutônicos assim - enquanto rolava solto as vozes daquela  família mistureba, acompanhadas por violão e  pandeiro. Tinham festas que um tio dançava Kalinka até cair – literalmente! -depois de beber vários copos de vodka gelada, outras que me admirava com os passos sensuais dos tios tangueiros.

                De tanto frequentar a casa da minha amiga Claudia Naomi Tarumoto, aprendi a comer arroz na cumbuca  usando hashi; aprendi a conhecer um pouco do universo cultural japonês através do comportamento da sua família, dos sons que ouvia, da tradução dos mesmos em complicada grafia. Da minha amiga sírio brasileira, Solange Sá, absorvi as maneiras doces e amorosas de sua família. Na escola tinha o espanholzinho que falava com sotaque do ouro que tinha nas igrejas europeias, e a professora dizia que o ouro tinha sido roubado da América Latina; acho que foi aí que comecei a me interessar  por história. Ganhei dois livros de aventuras, as viagens de uma menininha e seus animais exóticos de estimação; o primeiro pelas Américas e o segundo pela África. Me apaixonei pela América Latina, me apaixonei pela África, e fiquei muito tempo perturbada quando soube que arrancavam as pessoas da sua terra, as afastavam da família e amigos, e as levavam para trabalhar de graça num lugar distante e com costumes diferentes, mas só soube mais tarde o que fizeram com as populações indígenas das Américas. Foi na infância que comecei a pensar nas possibilidades de encontro e reconhecimento entre culturas, no que hoje chamam de cultura da Paz, não em maneira consciente, claro, mas com o coração, de tanto que gostava dessa diversidade.

                Vivi na primeira infância a riqueza da diversidade cultural: as línguas com suas construções tão particulares, os fonemas, aqueles sons que expressavam a maneira de ser peculiar a cada povo, as comidas, as danças, os odores, as expressões físicas, os pensamentos, as éticas, as religiões e filosofias de vida, os jogos. Mais tarde, a vida continuou a me presentear com situações multiculturais: a escola francesa, meus amigos judeus, as viagens pelas Américas, Europa e África, a Associação Cultural Cantosospeso de Milão, com sua proposta de união entre os povos “de várias cores, vários sons”, para finalmente retornar ao Brasil, conhecer melhor suas manifestações culturais, e me embrenhar no estudo e vivência da espiritualidade universalista. 

                A riqueza cultural desses “Brasis” é tão gigante quanto seu território,  é maravilhosa,  com certeza,  mas não é a única que me pertence ou que me desperta a curiosidade.  Por honestidade e coerência com a história de vida dessa encadernação, só posso ser multicultural.  



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