Outro dia, numa disciplina do
mestrado, um amigo falou que todo brasileiro precisa conhecer a riqueza de sua
cultura e expressá-la. Concordo, mas... legal mesmo é cada um ser verdadeiro, expressar sua arte
de acordo com sua história de vida, com suas “verdades” e a minha é
multicultural.
Nasci
no Brasil, filha de ucraniano de origem alemã e neta de romenos, também de
origem alemã, todos luteranos apesar de não praticantes, com uma tia-bisavó
judia. Passei minha infância num bairro onde a maior parte das crianças eram
filhos ou netos de imigrantes: japoneses, italianos, sírio-libaneses,
espanhóis, portugueses, russos... Meu tio era filho de índia com espanhol,
minha madrinha nasceu em Istambul, nas festas do meu primo “brasileiro” minha
mãe fazia a voz grave nas músicas caipiras com a tia que tocava violão, e
depois eu sambava feliz, sem me importar com os passos germânicos – que talvez
nem fossem tão teutônicos assim - enquanto rolava solto as vozes daquela família mistureba, acompanhadas por violão e pandeiro. Tinham festas que um tio dançava
Kalinka até cair – literalmente! -depois de beber vários copos de vodka gelada,
outras que me admirava com os passos sensuais dos tios tangueiros.
De
tanto frequentar a casa da minha amiga Claudia Naomi Tarumoto, aprendi a comer
arroz na cumbuca usando hashi; aprendi a
conhecer um pouco do universo cultural japonês através do comportamento da sua
família, dos sons que ouvia, da tradução dos mesmos em complicada grafia. Da minha
amiga sírio brasileira, Solange Sá, absorvi as maneiras doces e amorosas de sua
família. Na escola tinha o espanholzinho que falava com sotaque do ouro que
tinha nas igrejas europeias, e a professora dizia que o ouro tinha sido roubado
da América Latina; acho que foi aí que comecei a me interessar por história. Ganhei dois livros de
aventuras, as viagens de uma menininha e seus animais exóticos de estimação; o
primeiro pelas Américas e o segundo pela África. Me apaixonei pela América
Latina, me apaixonei pela África, e fiquei muito tempo perturbada quando soube
que arrancavam as pessoas da sua terra, as afastavam da família e amigos, e as
levavam para trabalhar de graça num lugar distante e com costumes diferentes,
mas só soube mais tarde o que fizeram com as populações indígenas das Américas.
Foi na infância que comecei a pensar nas possibilidades de encontro e
reconhecimento entre culturas, no que hoje chamam de cultura da Paz, não em
maneira consciente, claro, mas com o coração, de tanto que gostava dessa
diversidade.
Vivi na
primeira infância a riqueza da diversidade cultural: as línguas com suas
construções tão particulares, os fonemas, aqueles sons que expressavam a
maneira de ser peculiar a cada povo, as comidas, as danças, os odores, as
expressões físicas, os pensamentos, as éticas, as religiões e filosofias de
vida, os jogos. Mais tarde, a vida continuou a me presentear com situações
multiculturais: a escola francesa, meus amigos judeus, as viagens pelas
Américas, Europa e África, a Associação Cultural Cantosospeso de Milão, com sua
proposta de união entre os povos “de várias cores, vários sons”, para
finalmente retornar ao Brasil, conhecer melhor suas manifestações culturais, e
me embrenhar no estudo e vivência da espiritualidade universalista.
A
riqueza cultural desses “Brasis” é tão gigante quanto seu território, é maravilhosa, com certeza,
mas não é a única que me pertence ou que me desperta a curiosidade. Por honestidade e coerência com a história de
vida dessa encadernação, só posso ser multicultural.
Nenhum comentário:
Postar um comentário