quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Por um fio



Por que você não veio me salvar de mim?
Por que você não apareceu antes do último momento?
Por que você me deixou partir?
Por que você não duvidou de nada?
Por que você aceitou passivamente, como se fosse fato, como se eu estivesse absolutamente certa?
Por que você me deu razão?
Por que você se escondeu atrás da sua fragilidade de macho?
Por que você me fantasiou com armadura de ouro?
Por que você me superestimou?
Por  que você só quis a deusa?
Por que você não conseguiu me enxergar como mulher, menina, ser humano, ou qualquer coisa mais natural e falível?
Por que você me deixou quebrar?
Por que você não impediu a fuga?
Por que, meu Deus, por que você deixou o tempo passar?

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Em companhia de sacos


          
Estão a carregar sacos, feito papais Noel.

         Um é gordinho, negro, usa óculos e diz que adoçante líquido mata enquanto aqueles que estão no saquinho de papel, ah, esses fazem bem. E fica repetindo enquanto aponta o dedo: "Esse mata, esse faz bem" E repete, repete, repete... A outra é pequenina, magra, quase anã. Tem longos cabelos emaranhados castanho-avermelhados que contornam um semblante sério. No topo da cabeça ostenta uma horrível toca de lã pontuda que a protege do frio ou do sol à pino ou da chuva. Parece um duende. Minha memória até insiste em vesti-la de verde.

         O sem nome entra na padaria sorridente, se faz notar sem palavras, nem precisa! Ele – ENORME - e seus sacos – ENORMES - ocupam espaço, um espaço de tons escuros  como sua pele, suas roupas, seus óculos, seus sacos. A sem nome vagueia pelas ruas com passo decidido, parece ter pressa, talvez pressa em levar seus sacos pra sabe-se lá onde. Ela não para, sempre que a vejo está em movimento, só não parece voar porque ao invés de asas carrega nas costas sacos de lixo pesados, uma fada da sarjeta.

         Os dois são sujos e fedem e se afastam de todos e afastam todos de si. 

Só tem a companhia dos sacos. 


*Gravura: "Os mendigos", de Bruegel (1508)