segunda-feira, 5 de maio de 2014

Livre e floreada história de UMA

     Uma é a reencarnação de Sati (esposa e grande amor de Shiva) que se suicidou por não conseguir suportar a dor da rejeição do pai por seu casamento com Shiva. 
 
    Quando Sati se suicidou, Shiva enlouqueceu de tanto desespero.  Foi morar na montanha para praticar *Tapas, transformou-se em um ser medonho, virou celibatário e se isolou do mundo.
 
    Uma sabia de sua encarnação anterior como Sati, assim como era consciente de que sua missão na terra era a de realizar o Amor com Shiva, mas o Mahadeva estava preso em sua história do passado e não a reconhecia.
 
    Enquanto Uma sentia-se impotente diante da indiferença de Shiva, por “coincidência” rolou que o ** Asura Taraka queria destruir o universo e nenhuma deidade dava conta da figura. Os deuses foram conversar com Brahma pra dar um jeito no cara e Brahma disse que nem ele podia resolver isso, só Shiva e Uma unidos, o poder do fogo e da água juntos, somente a união das forças do casal poderiam gerar o poder necessário pra bloquear as ações do “demônio”.
 
    Então as divindidades começaram a tramar um encontro entre Shiva e Uma. Levaram Uma à montanha pra ser serviçal do Shiva, e tentaram lançar um feitiço  pra ele se encantar com a moça. Shiva se ligou, acessou seu terceiro olho, descobriu a farsa e repudiou a garota.
 
    Uma voltou pra casa arrasada, e percebeu que a única maneira de se aproximar do seu grande Amor seria levar a mesma vida dele. Assim decidiu mudar-se também para as montanhas e praticar Tapas. 
 
    Uma era uma moça lindíssima, os deuses babavam por ela, mas ela não dava trela pra ninguém porque sabia de sua missão, era devota a Shiva, seu coração era Shiva. Com perseverança e determinação, praticou durante anos Tapas, emagreceu muitíssimo mas sem perder a beleza, e tornou-se uma mulher madura, forte e poderosa, tanto que um dia Shiva se aproximou dela e perguntou: "O que você está fazendo aqui? Você não precisa disso, você é uma mulher linda, devia arranjar marido. Qual o motivo de tanto esforço?"
 
    Uma não respondeu nada, jamais falaria de seu Amor e devoção ao próprio Shiva, mas uma amiga fofoqueira foi lá soprar a história no ouvido do Shiva.  Shiva ficou possesso, e foi perguntar a Uma como ela podia ser devota a um cara horrível e com três olhos como ele, ao que Uma respondeu : "Eu é que me surpreendo como um cara sábio e que pratica há tanto tempo Tapas não tenha a consciência de ser ele mesmo devoto à Shiva." Aí Shiva deu aquele piti característico e usou inúmeros argumentos para convencer Uma do absurdo de sua devoção, até a hora em que Uma falou que não iria mais argumentar com ele e declarou seu Amor, que seu coração estava repleto de Shiva. 
 
    Tocado pelo verdadeiro Amor de Uma, a partir desse momento Shiva retornou à sua exuberante forma original, casou-se com Uma e os dois fizeram uma lua de mel que durou anossss na monte Kailash, mais de 25 anos de paixão intensa!
 
   Dessa união nasce a divindade Kamara, que tornou-se o general que destruiu o Asura Taraka.
 
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    O texto acima é uma livre e "floreada" tradução do texto escrito por *** Sadie Hadley sobre a obra de **** Kalidasa, poeta e dramaturgo indiano que viveu por volta do séc. V.
 

 
   Uma é a essência divina feminina que expressa a mulher madura, decidida, focada, que enfrentou suas sombras, viajou por suas profundezas e retornou forte, poderosa, sabendo o que quer e tendo à sua disposição todos recursos femininos para realizar seus objetivos. 
 
 
                 OM NAMAH UMAYE, OM UMAYE NAMAHA!
 

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* Tapas : palavra em sânscrito comumente traduzida por "austeridade". Sua raíz (tap), significa "tornar-se ardente", e o termo usado para dizer chama ou brilho, tejas, vem da mesma raiz. Na palavra tapas temos embutida as ideias de luz, calor, fogo ou radiância, símbolos que nos lembram a importância da motivação ao realizar quaisquer ações. Embora possamos de fato traduzir tapas corretamente como disciplina ou austeridade, uma tradução mais exata seria “esforço sobre si mesmo”. Eventualmente pode significar "geração de poderes mágicos ou supernaturais pelo acesso ao calor/fogo interior por meio do ascetismo (sofrendo dores físicas e árduas meditações)".
 
** Asura : palavra em sânscrito que significa a negação de "Sura" (Deus, divindade), podendo ser traduzida como "Antideus".
De acordo com os Vedas (os quatro livros sagrados da cultura hindu), os Asuras figuram como antagonistas dos Suras ou Devas (divindades). 
Os Asuras são seres poderosos e, no hinduísmo tardio, são considerados demônios. Curiosamente a palavra Asura denotava antes o Divino supremo, uma conotação mantida no cognato Ahura do Zoroastrismo. Talvez daí venha a correlação com a tradição judaico-cristã, na qual os Asuras poderiam ser descritos como Anjos Caídos.
A literatura pós védica oferece várias etimologias ao termo, nenhuma das quais é definitiva. 
 
*** Sadie Hadley nasceu no Arizona, é bacharel em Antropologia Cultural e Mestre em literatura clássica oriental e sânscrito. Estudou e trabalhou na região dos Himalaias por diversos anos e atualmente dedica-se à ecologia e conservação de recursos. 
 
**** Kalidasa, o Mahakavya, foi um escritor e dramaturgo que viveu na Índia por volta do séc V. Sua importância na literatura é tão grande que é considerado como o Shakespeare dos indianos. O texto aqui tratado foi retirado do seu livro Kumarasambhava, no qual descreve a história de Uma e Shiva. 
 
 
Sites consultados:
 
 
 
Whole Earth:http://www.wholeearth.com/issue/2099/article/176/uma.and.shiva.or.the.origin.of.a.young.god
 
 
 
Yoga.pro.br :http://www.yoga.pro.br/artigos/971/3046/tapas-e-ser-mais-forte-que-as-proprias-fraquezas
 
 
 
Enciclopédia de Yoga da Pensamento :http://books.google.com.br/books?id=_mok6hBmTMQC&pg=PA46&lpg=PA46&dq=asura+yoga&source=bl&ots=IB8c-n1Hj8&sig=vC7Wk6z3xXqnX8A5YlCFcl24QCo&hl=pt-BR&sa=X&ei=rX1nU56jGtXfsASwwYGIBg&ved=0CGAQ6AEwCw#v=onepage&q=asura%20yoga&f=false
 
 
 
Kumarasambhava, cantos I à VII :https://archive.org/stream/KumarasambhavaCantosI-vii-SanskritCommentaryEnglishTranslationNotes/KumarasambhavaCantosI-vii-SanskritCommentaryEnglishTranslationNotes-MrKale1917_djvu.txt

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Cicatriz não dói



    A vida é sábia e está tudo certo. A vida te enche de luz, de força, e na hora em que você se sente a rainha da cocada, zapt, a suposta cicatriz abre-se de novo. 
     Algum fato, imaginário ou real, desencadeia o processo. As reações são as mesmas da criança ferida,  semelhantes artimanhas em essência,  porém mais complexas e diversificadas, que servem apenas para sobreviver à dor primeira mas ainda não conseguem cicatriza-la. 
     E cá estou, entre milhões de coisas pra fazer, olhando no fundo, deixando a dor fluir, tentando saber como é que vou conviver com ela, como é que vou fazer pra sair dos PCRs, como é que vou encontrar um jeito de cicatrizar a ferida, como é que vou viver em paz, como é que vou integra-la. 
     Se hoje tenho mais recursos, sei identificar as causas primeiras e reconheço em um piscar de olhos que é a dor da ferida aberta que está invadindo minha praia, ainda não consigo apreciá-la, não a aceito como parte de mim, nem reconheço sua utilidade. Quero empurrá-la pro seu cantinho, e quanto mais a enxoto, mais ela grita. Eu grito.
     Ok, feridona, você existe. É forte, moldou parte dessa personalidade, e começo a vislumbrar, com resistência, aspectos positivos decorrentes da sua dor. O quadro ainda está nebuloso, como o dia lá fora, mas prevejo clareza. 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Quem viver, verá!

          A primeira imagem que vi hoje pela janela foi a de pessoas conversando, se abraçando, caminhando sem pressa, sorrindo umas às outras. Uma criança desacelerava o passo para acompanhar sua avó, o homem de boné dava um respeitoso bom dia à moça exuberante de minissaia, algumas pessoas cantavam juntas canções sobre o milagre da vida, outras rodopiavam contentes na dança da liberdade responsável, outras ainda cheiravam flores das inúmeras árvores da rua, e todas, todas as pessoas que pude apreciar da minha janela, faziam o bem sem olhar a quem. 
        Corri pro chuveiro, me aprontei depressa pra sair pelas ruas e comemorar o dia que tanto lutei pra construir. Era só harmonia, a doce alegria de cada um viver sua vida sabendo ao mesmo tempo como cuidar dos outros.
       Tudo funcionava perfeitamente: os transportes públicos, o sistema de saúde, a educação ... Todos tinham seu lugar para morar, todos se alimentavam, se vestiam, dormiam, se divertiam, se conheciam, estudavam, liam, refletiam, viajavam, aprendiam e ensinavam o que sabiam. Todos partilhavam sua sabedoria, suas verdadeiras paixões e simplesmente, tudo se encaixava como devia ser. 
       O ar tornou-se limpo, regenerou nossos pulmões; a terra prosperou e, generosa, ofereceu-nos a nutrição; a água absorveu nossos bons pensamentos, transformou seus átomos, proliferou e jorrava abundante, feliz com a vitória humana; o fogo acendia a chama divina em nossos corações; o éter finalmente consagrou-se como quinto elemento. 
        O sonho se realizou: os seres humanos conseguiram vencer seus próprios obstáculos, superaram suas feridas mais profundas e hoje todos acordaram para realizar suas verdadeiras expressões de alma. 

Escrevi esse texto depois de vivenciar a experiência mais transformadora da vida.

Gratidão à equipe do Ser Líder, aos padrinhos, ao grupo Vida Silva e ao Emerson Feliciano!

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domingo, 16 de março de 2014

O casamento



     Casei-me no início dos anos 90, usando calça jeans e tênis, numa cerimônia realizada apenas com os padrinhos. Contive o riso diante do rosto mal humorado do juiz ao saber da ausência das alianças e achei muito estranho a emoção transformada em choro e soluços de uma das madrinhas, assim como a comemoração discreta sob uma chuva de arroz e champagne oferecida pelos cinco amigos testemunhas diante “del Comune di Milano”. Na segunda união nem isso teve, o ritual foi uma singela troca de anéis no aeroporto, muito desajeitada, que selava um compromisso pouco claro para mim.
     Passei muito tempo na vida nadando contra a maré, questionando padrões de comportamento ditado pelas normas vigentes e analisando apenas seus aspectos negativos, na tentativa de quebrar as correntes restritivas das expressões de um ser livre, pouco adequado às superficialidades exigidas nos ritos sociais. Hoje percebo com carinho aquela menina irreverente, dou-lhe a atenção necessária sem alimentar suas críticas cegas, incabíveis no contexto de quem experimentou tão intensamente a vida. E viva a maturidade!
    Com o coração aberto, ontem experimentei a alegria da comemoração generosa dos jovens que compartilharam esse rito de passagem com amigos e familiares. Chorei. Chorei emocionada ao ver meu priminho tentando controlar as lágrimas que escorriam de seu rosto menino e ao ouvir a voz trêmula da noiva em seus votos. Chorei de felicidade pela felicidade que reinava. Acho que finalmente compreendi o choro de minha madrinha...
     Passados os anos do “contra” – com certeza necessários na época! – sinto-me livre pra experimentar maiores nuances de beleza: as cores da palheta foram ampliadas. Sem medo de ter a liberdade cerceada e sabendo das minhas escolhas, dei-me novas oportunidades.  Estive presente na cerimônia e na festa: chorei de emoção, diverti-me,  abracei, conversei, ouvi, observei, interagi, dancei, admirei, paquerei, comi e bebi, matei a saudade da família, senti corações, senti o ar permeado pelo o  amor dos recém-casados, senti-me grata pela consideração do convite.
     A cerimônia religiosa foi celebrada com palavras  inteligentes do reverendo da Igreja Anglicana. O padre usou palavras coloquiais, em tom descontraído, brincalhão e ao mesmo tempo respeitoso.  Enfatizou a igualdade entre homens e mulheres apoiado no evangelho, e foi respeitoso aos diversos credos dos presentes sugerindo aos não cristãos que pensassem em coisas positivas para o casal enquanto fosse feita a oração do Pai Nosso. A festa foi maravilhosa, cheia de gentes amigas, pessoas que não via há tempos e tantas desconhecidas, muitos jovens amigos do casal, muita prosperidade, beleza e brincadeiras nos vídeos projetados. Tudo feito com esmero para deixar esse dia inesquecível. Tudo feito com carinho e amor.
     Aprendi tanto ontem e estou contente por fazer parte da vida com novo tempero. Entendi ser capaz de compartilhar a beleza da realização de sonhos, mesmo  sendo tão diferentes dos meus. A essência é a mesma, é o mérito do reconhecimento depois de grandes batalhas. Isso é bonito, é humano.
     Ainda não aprendi, porém, a sofrer em vestidos apesar das roupas maravilhosas emprestadas e dos conselhos da “personal stylist” Claudia Nogueira Brandão, e acabei vestindo calça comprida numa festa onde predominava o longo. Bom, pelo menos consegui deixar em casa a mochila vermelha...

     Parabéns aos recém-casados, que sua nova família seja  o reflexo da generosidade, harmonia, amor, saúde e prosperidade de ontem!

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Esperança




     Leve como águas em forma de nuvens, lançava aos ventos seus medos. Dançava acordada, bailava desperta, rodopiava, girava, desamarrava (-se?), estava desarmada. 

    Ouvia o eco de cantos arcanos, antigos e distantes, quase sussurros do que foi, é e sempre será. Finalmente compreendia a falta como simples motor de busca, uma ferramenta de impulso às descobertas, alimento de curiosidades sadias, sem exageros, sem aflições, colocando a carência em seu devido lugar.

     Estava presente, sentia-se lua cheia, perfumava-se com damas-da-noite, sabia de sal, voava feito águia singrando a neblina dos picos, era o Todo e o Nada, era o instante e, assim, percebia o movimento daquele que continha e sabia conter.

    Acendeu-se a vela da esperança.