Minha intenção é compartilhar pensamentos simples que nasceram de vivências
e convivências pessoais; palavras que expressam ideias que podem trazer novas reflexões e, quem
sabe, ajudar compositores iniciantes em
suas buscas.
Coloco
algumas sugestões gerais e outras para dois casos específicos ( pessoas que tem
ideias musicais, mas não possuem ferramentas para realiza-las; e as que possuem
algumas ferramentas, mas lhe faltam ideias ), mas que podem ser úteis a todos. No final deixo algumas dicas para o dia a dia
e termino com um texto de minha autoria sobre o ato de compor.
Eu quero compor!
O
primeiro passo é muito simples, pois basta estar disposto e ter vontade, o que
se resume numa frase: "Eu quero compor."
Cada um vai encontrar um motivo pessoal que justifique a vontade, os
porquês de suas composições, qual seu lugar e contribuição à sociedade como
compositor, qual é o estilo de música mais adequado pra trabalhar, quais são
seus caminhos musicais, e sei lá mais o que...
É legal pensar nisso tudo, com cuidado pra não entrar em devaneios e não
bloquear os processos criativos.
A
partir do momento que você colocou na cabeça/coração que quer compor, detecte o
que falta para concretizar sua vontade e vai à luta!
Para quem tem ideias, mas não tem
as ferramentas
As
ideias musicais te povoam, mas você não sabe o que fazer com elas? Comece
gravando, com sua voz, aquilo que tá dentro.
Assisti uma entrevista do cantor e compositor inglês Seal onde ele conta
que em suas primeiras composições gravava com sua voz as linhas (melodias e
ritmos) de todos os instrumentos... é um caminho! Mas se você não conseguir
expressar o que ouve internamente nem com a sua voz, procure ajuda - tenha
aulas! - com um professor de canto e/ou aprenda um instrumento. Dependendo da
complexidade da sua música, aconselho também estudar as teorias musicais, aprender
a escrever música e a usar os programas de gravação e criação musical para
computador caseiro.
Ter
inspirações, ideias, insights, sentir movimentos musicais é maravilhoso, mas
não saber o que fazer com tudo isso é angustiante. O único caminho que conheço
pra construir um receptáculo capaz de decodificar inspirações é o estudo. A
máxima de Einstein cabe bem nos fazeres da composição musical: 10% de
inspiração e 90% de transpiração.
Para quem tem ferramentas, mas
não tem as ideias
Esse
é o caso de muitos estudantes de música submetidos a um aprendizado tradicional
onde não foram incentivados às práticas criativas; daqueles que entendem
intelectualmente as teorias musicais, sabem executar um instrumento mas encontram
dificuldades em inventar música. Aqui, a
atividade que precisa ser desenvolvida é a improvisação, que pode ser feita
sozinho ou em grupo.
Se
você conseguir improvisar sozinho, sugiro o mesmo que meu professor Mário
Ficarelli indicou quando estava na graduação: procure improvisar cada dia no
estilo de um compositor diferente. Uma maneira gostosa de fazer isso é escutar
algumas músicas do compositor que você escolheu e depois ir pro seu instrumento
tentar imitar o que ficou na memória, antes do improviso. Depois disso, pegue
um tema qualquer e o cubra com os padrões que você identificou no compositor. Algumas
vezes esse processo sai quase sem pensar, outras vezes você organiza os padrões
racionalmente; não importa como fizer, só não escreva no papel! Esse é um
exercício prático, pra ser feito no seu instrumento musical, seja ele externo
ou seu próprio corpo. Até hoje uso esse exercício, principalmente quando me
pedem para compor num determinado estilo.
Outro
tipo de improviso que pode ser feito sozinho é pegar a melodia de uma canção
tradicional e "vesti-la" em maneiras diferentes, mudando a tonalidade, a
harmonia, o ritmo, os timbres, até a própria melodia através de novos acentos,
supressão de notas, espelhos, pausas etc. Tente, porém, deixar algo no
improviso que remete à melodia original, e pra saber se isso realmente foi
feito, mostre pra alguém e pergunte com que a música se parece.
Se
você não consegue fazer essas práticas sozinho, procure urgentemente grupos de
improviso e profissionais que sabem como despertar os processos criativos.
Feijão com arroz - dicas para dia
a dia
Disciplina
Estabeleça
horários para compor. Cada um sabe o quanto separar do seu dia ou semana pra
essa atividade, e o próprio desenvolvimento das composições vão mostrar qual é
a sua necessidade. Procure cumprir os horários pré-estabelecidos, mesmo se você
não tiver nenhuma ideia pra desenvolver. Nesses casos, você pode improvisar,
ler sobre o assunto, escutar músicas e os sons ambientes, tocar músicas de
outros compositores, tocar suas próprias composições... O importante é afirmar
que esse espaço temporal é dedicado à composição.
Presença,
entrega, concentração
O
horário estabelecido pra composição precisa das qualidades acima. Se você tiver
outras preocupações na cabeça, vai resolvê-las, se for possível, ou faça uma
meditação, ou vá caminhar pra espairecer, ou faça respirações profundas,
atividades físicas, yoga, sei lá, faz o que for necessário pra trazer seus
pensamentos e sentimentos pro ato de compor ou pras atividades relacionadas à
composição.
Banco
de ideias musicais
Apareceu
uma ideia, grave! Qualquer celular mequetrefe dá conta do recado. Quantas vezes
perdi ideias tentando escrevê-las no ônibus e cantarolando até chegar em
casa... Hoje em dia, não tem mais desculpa, dá pra gravar em qualquer lugar que
os sons apareçam! Não tenha vergonha de cantar na rua, e se as ideias surgirem
no meio de outra atividade, dá sempre pra pedir licença e ir até o banheiro... Grave
todas as ideias, mesmo as que parecem tolas, e crie uma pasta em seu computador
para guardá-las. Uma vez por mês vai lá ouvi-las, ou as use quando entrar nos
períodos de estio criativo. Faça a mesma
coisa com os improvisos.
Atenção
ao senso crítico
Ter
senso crítico é ótimo, mas o use com critério. Se você achar que tudo o que
inventa é horrível , o que até pode ser verdade, vai acabar com suas
possibilidades criativas. Aceite o que vier, com carinho. Nem todas as ideias
viram música, nem todas as músicas você vai querer mostrar, mas podem servir como
exercícios preparatórios para futuras composições. Deixe os sons se
aproximarem, deixe-os germinarem, crescerem. Às vezes o que não é legal pra
gente pode ser pros outros, e vice-versa. Você escolhe o que, como e pra quem
vai mostrar; você escolhe o que fazer com suas ideias musicais, improvisos,
composições. A gente aprende com a
prática, com os erros. Faça suas escolhas com generosidade. Se de 100
composições uma for do jeito que você gosta, já valeu a trabalheira, né?
Fazendo
o pãozinho
Assim
como o marceneiro trabalha a madeira, o compositor trabalha os sons: pra tornar
a ideia audível é necessário saber da matéria sonora, das ferramentas e das
maneiras que a transformam... Portanto, estude,
desenvolva suas habilidades musicais, leia sobre música, informe-se.
* * * * * * * * *
“ Compor é muito mais
do que transformar a matéria sonora,
é impregná-la de
sentimentos, emoções, intenções submersas;
compor é jogar luz
nos espaços escuros do Ser,
é organizar tudo isso
em padrões mutáveis,
é tornar audível o
que não cabe em palavras,
é sossegar tempestades.
Compor é um movimento
da Alma. ”
Elisabet Just, 17 fevereiro 2013