domingo, 20 de janeiro de 2013

Segunda etapa: sair do labirinto


                “A depressão é algo minotaurico, um tentar sair do labirinto”, falou mais ou menos assim uma querida amiga, agora há pouco.

                Sim, a depressão tem um quê de minotaurico... é como se ela fosse o próprio Minotauro, que se alimenta de virgens e rapazes –  que pra mim simbolizam as belezas da vida - até que chega Teseu que, presenteado por sua morosa com um novelo de lã e uma espada mágica, vence a parada. Teseu tem tudo ok pra derrotar o monstro, é forte, corajoso, inteligente, determinado e subordina-se à vontade dos deuses aceitando a sugestão  do oráculo de Delfis, que prediz sua vitória com a ajuda do amor, ao aceitar a proposta de casamento com Ariana e, com isso, obtém seus presentes. Tanto na primeira quanto na segunda etapa o herói não seria capaz de vencer apenas com seus atributos pessoais: mata o bichão com a espada e sai do labirinto porque marcou o caminho com o fio do novelo, que além de estar impregnado de amor, não tem nós.

                Acredito estar passando pela segunda etapa. Por ‘coincidência’ dia desses fui à casa da minha irmã e passei horas tirando nós das correntinhas da sobrinha, num movimento simbólico. Deitada em sua cama enquanto ela arrumava as roupas daquele quarto gostoso e cheirosinho, num ambiente carinhoso, familiar, com o cachorrinho subindo na barriga e de vez em quando lambendo minha cara, denodei o primeiro colar sem esperar resultados, concentrada na tarefa do momento, com paciência, tranquilidade, carinho. E fui pegando outros, sei lá, uns três ou quatro ou cinco foram concertados, prontos  pra uso. No meio do processo comuniquei: “Assim como tiro os nós das correntes, vou desatar os nós da minha vida!”.

                Percebi na atividade manual as qualidades essenciais pra sair do labirinto, pra desenrolar e tirar os nós dos fios do novelo que me conduz à saída: paciência, desapego, tranquilidade, carinho, presença, concentração, confiança, cuidado, atenção.  Não me concentrei no sucesso ou insucesso da empreitada, me concentrei no que estava fazendo, no exato momento, sem expectativas futuras. Estava confiante sim, confiante em estar fazendo o melhor que podia mas sem tensão, sem querer me superar, sem a necessidade da perfeição ou do acerto. Confiante na tentativa, sem atribuir valores às ações.

                Nos dias seguintes continuei com outros movimentos simbólicos mais comuns, como jogar o velho pra dar espaço ao novo, limpar cantinhos escondidos, mudar as coisas de lugar etc, aquele bando de coisa que sabemos que é legal fazer pra deixar as energias fluírem. No entanto, foi necessária uma atividade nova, imprevista – denodar colares – pra liberar outras ações que já conhecia.

                Nesse momento, tanto o mito quanto a atividade na casa da minha irmã me ensinam que novelos – ou bijuterias - desatados estão ligados às qualidades inerentes aos processos amorosos. Agora, é acordar e cultivar essas porções de Ariana, talvez adormentadas pela experiência similar a fase posterior do seu lamento na ilha de Naxos...
        *             *             *             *             *             *             *            
                Agradeço aos amigos e amigas de almas presentes  (incluindo aqui minha família), pacientes e amorosos nessa fase difícil. Agradeço especialmente à Debs, querida amiga recíproca, que incitou carinhosamente essas reflexões.

Gratidão  ao TODO que me traz tantas boas oportunidades!     


sábado, 19 de janeiro de 2013

O sapo e o vagalume


Entre o gramado do campo
Modesto, em paz, se escondia
Pequeno pirilampo
que, sem o saber, luzia.

Feio sapo, repelente,
Sai do córrego lodoso,
Cospe a baba, de repente,
Sobre o inseto luminoso.

Pergunta-lhe o vagalume:
- "Porque me vens maltratar?"
E o sapo com azedume
- "Porque estás sempre a brilhar!"


Poesia do blog http://somentess.blogspot.com.br/2010/07/o-sapo-e-o-vagalume.html

                Situações parecidas na essência se repetem... Quando voltei pro Brasil,  comecei a procurar trabalho porque estava na lona total e precisava realmente de qualquer coisa.  Fiz uma entrevista numa escola de música dessas de bairro e o diretor, além de duvidar em maneira sarcástica do meu currículo, não me deu o trabalho e ainda saiu com essa: “Só sei falar português”.  Fiquei parada olhando o cara sem entender nada, e depois dessa frase ele se despediu mais ou menos educado.  Não entendi na hora. O que o fato dele saber ou não mais línguas tinha a ver com a relação de trabalho que tentava estabelecer?
                Fui gravar algumas músicas num estúdio de bairro nesses dias. Paguei barato, aquele barato que sai caro. Essa foi terceira e última vez que trabalho com essa pessoa. Na primeira, as pessoas que encomendaram músicas eruditas me levaram lá, e na gravação ouvi que saíram rumores da cadeira do piano, mas tirando isso, a gravação estava boa. Na segunda, falei do rumor da cadeira, trocamos o assento e gravei três músicas minhas no piano que ficaram muito boas. Só que desta vez, o trabalho foi péssimo.  O cara foi bem displicente ou é um técnico de som que não ouve o que ouço, ou... Percebi que estava vazando sons da cabine dele, como movimentos dos pés, da sua cadeira, mordida na maça que comia enquanto trabalhava... Falei. Ele disse que não estava ouvindo. Continuamos a gravação e enquanto tocava, continuava a ouvir os sons da sala técnica. Terminei a música e falei de novo. Ele disse que não era possível. Aí percebi que tinha um cabo que impedia que a porta se fechasse totalmente. E nessas já tinha gravado duas músicas... Bom, aí ele admitiu que podia ser que isso que estava acontecendo. Trocou o cabo, fechou a porta, mas aí a relação humana ficou péssima.  Daí pra frente foi bem triste. O resultado é que as músicas estão imprestáveis e em duas delas dá pra ouvir o metrônomo.
                O cara disse que era desafinada, que cantava muito baixinho, sem emoção... E nisso já tinham passado três das cinco horas de estúdio. Não quis reagir pra não aumentar a tensão. Podia ter perguntado a ele se já tinha ouvido falar de João Gilberto; podia ter perguntado pra ele o que ele entendia por afinação; podia ter perguntado a ele com o que ele se emocionava, mas não fiz. Ouvi o que ele dizia, procurei tratá-lo bem, mesmo porque me pediu desculpas por ter deixado o microfone da sala de som aberto (um dos possíveis motivos pro som da mesma ter vazado na gravação) e por ter deixado na gravação o barulho do metrônomo, que depois de colocarmos o volume no máximo e dele ter escutado em silêncio, finalmente percebeu. Também voltou atrás no quesito afinação depois de ouvir a melodia tocada no piano. Queria “corrigir”, porque as notas não pertenciam ao acorde e lhe soavam estranhas. Entendi que entre nós havia um abismo e que nossas percepções eram muito diferentes. Paciência. Paguei o cara, e fui embora bem triste.
                O que existe em comum nessas duas experiências é que algo em mim os incomodou. É a velha história do sapo que queria ser vagalume, não tem jeito, é um troço que preciso lidar. Ou então, procurar minha turma. 

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Enterrando mortos, alimentando vidas



            Em 2012 entendi o que significa enterrar os próprios mortos. Vivi, mais uma vez, a experiência da perda expressada no desespero, na dor, na decepção, na tristeza. Vivi o luto, vivi suas cinco famosas fases: a negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a depressão e, finalmente, a aceitação. Agora cá estou, outra vez, a recomeçar.
            Sinto no ar o perfume suave da esperança e o toque gentil dos sonhos renovados. As músicas e as letras voltaram a me povoar; meu corpo escapa dançando dos fios de lã cinza: é que as gotas dourados do Amor estão preenchendo lentamente os espaços embrutecidos do coração.
            Agora entendo que, assim como enterrei mortos, também já alimentei vidas; tinha me esquecido disso naquela fase da noite escura. Uma vez aceita a condição, os mortos se transformam em estercos para as novas semeaduras.
            Aproveitei para enterrar partes da personalidade que obstruíam o acesso às maravilhas, e quero dizer com isso que aceito a generosidade, o respeito, o bem-querer, a gentileza, o otimismo, o sucesso, a excelência, a delicadeza, a saúde, o bem-estar, a felicidade, a prosperidade, a harmonia, a leveza, a doçura, o amor. Sepultei aquele bonismo infantil e orgulhoso que me fazia aceitar relacionamentos desprovidos de amor. Já foi tarde!
            Parto agora pra uma nova viagem e com reverência às essências divinas,  peço ao poderoso Ganesha que desobstrua com sua magnífica presença os caminhos; pego emprestado a espada dourada de São Miguel Arcanjo para cortar amorosamente as relações deletérias; de São Jorge guerreiro, que tem em seu rosto o louvor a Cristo, empresto seus escudos poderosos pra me defender das almas tristes que destroem sonhos; que Iansã me dê forças se a luta for necessária; que minha querida mãe Oxum doure meus passos com sua essência e que seja em benefício de todos; que minha doce Kwan Yin se faça presente com seu amor em forma de compaixão.
            Viajo sem mortos, parto com o que me pertence, empreendo a nova etapa dessa personalidade imperfeita sabendo que não estou só. Agradeço a jornada, e sonho em poder levar na bagagem só amor...