domingo, 22 de julho de 2012

Kamenskoye ou Dniprodzerzhynsk


        Papai, ucraniano de Kamenskoye, renomeada Dniprodzerzhynsk em 1936, conterrâneo de Brejnev, adorava a chamada “música clássica”... Ele nasceu em 28, filho de aristocratas que permaneceram na terra natal e sobreviveram à matança dos anos que seguiram a revolução de 17. Brejnev, ainda jovem mas já com cargo importante, resolveu criar uma universidade em sua cidade e meu avó saiu da prisão pra dar aulas de literatura e línguas estrangeiras. Reza a lenda que ele falava e escrevia com fluência 7 línguas, pois era o representante internacional das vendas de ouro das minas da família, que foi assassinada na revolução enquanto ele fazia negócios em Paris. Papai dizia que meu avó só tinha sido chamado pra ser professor na faculdade porque os “comunistas” não tinham outra opção depois de terem acabado com a elite cultural do país... Pontos de vista...Mas lá pro finalzinho da sua vida, finalmente ouvi algo de positivo saído de sua boca sobre aquele sistema, aquela ideologia, aquele “ismo”, que tanto nos distanciou.
         
         Ouvindo juntos a nona sinfonia de Beethoven, regida por Karajan, pela milionésima vez, papai abaixou o som, pediu lápis e papel e, com as mãos trêmulas, fez o desenho acima. Finalizado o desenho (sim, ele fazia uma coisa de cada vez, de um jeito bem europeu.  Como queria ter aprendido isso...) me explicava, com aquele sotaque teuto-ucraniano que nem os cinquenta anos como brasileiro conseguiram apagar: “Bête, antes da revolução, o povo de Kamenskoye vivia debaixo da terra. Escavavam um buraco e colocavam esterco pra segurar as paredes; construíam uma lareira que também servia como saída de ar, e conseguiam assim afastar o frio. Os comunistas destruíram essas favelas subterrâneas e construíram moradias simples, mas melhor equipadas, pequenos prédios de três andares que abrigaram essas pessoas. Primeiro construíram as novas casas, mudaram o povo pra lá, e depois destruíram as favelas. Em cima delas, das antigas moradias, construíram parques pro povo passear, e nesses parques tinham coretos onde todos os domingos se apresentavam orquestras que tocavam Rachmaninoff, Tchaikovsky, Prokofiev.Era a nossa única diversão.”

         Em 1936 os policiais invadiram de madrugada a casa dos meus avós e levaram, na porrada, meu avô pra Sibéria, debaixo dos olhares e súplicas da vovó e das crianças. Essa ação fazia parte da “limpeza” instaurada por Stalin. 

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