domingo, 19 de maio de 2013

Uma possível dimensão musical


            A vizinha acabou de tocar Gló ria, gló ria, alelu – u – ia, parte do seu vasto repertório de canções em compasso quaternário ou binário, jamais em ternário. O som do piano é martelado num tempo rígido, quadrado, sem oscilações ou respiros, numa execução polticamente correta acentuada pela ausência de dinâmica e da mão esquerda que dispõe apenas as funções principais usando sempre o mesmo padrão de arranjo. Até venho percebendo melhorias quanto à fluidez e ampliação do repertório, mas nada acontece no quesito musicalidade nesses dois ou três anos que ouço a senhorinha ensaiar pro culto dominical. Mas, apesar dos ouvidos ainda rejeitarem a estética insossa, a irritação primeira deu lugar à compaixão ao conhecer a história dessa mulher pequenina e sorridente que converso no elevador: seu marido é inválido, mora em sua casa, não se levanta da cama há vários anos, e ela é sua principal cuidadora.
            Admiro pessoas que criam com suas próprias mãos espaços de felicidade.  

Quadro de Carlos Oswald


Nenhum comentário:

Postar um comentário