A vizinha acabou de tocar Gló ria,
gló ria, alelu – u – ia, parte do seu vasto repertório de canções em compasso
quaternário ou binário, jamais em ternário. O som do piano é martelado num
tempo rígido, quadrado, sem oscilações ou respiros, numa execução polticamente
correta acentuada pela ausência de dinâmica e da mão esquerda que dispõe
apenas as funções principais usando sempre o mesmo padrão de arranjo. Até venho
percebendo melhorias quanto à fluidez e ampliação do repertório, mas nada acontece
no quesito musicalidade nesses dois ou três anos que ouço a senhorinha ensaiar pro
culto dominical. Mas, apesar dos ouvidos ainda rejeitarem a estética insossa, a
irritação primeira deu lugar à compaixão ao conhecer a história dessa mulher
pequenina e sorridente que converso no elevador: seu marido é inválido, mora em
sua casa, não se levanta da cama há vários anos, e ela é sua principal cuidadora.
Admiro pessoas que criam com suas
próprias mãos espaços de felicidade.
Quadro de Carlos Oswald
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