quarta-feira, 3 de abril de 2013

Tá lá o corpo estendido no chão


Tá lá o corpo estendido no chão...

                Entre a banca de jornal e uma pensão para moças, estava o corpo de uma garota estendido no chão. Perguntei se alguém a conhecia na banca, no bar ao lado. Ninguém sabia nada dela. Perguntei se tinham chamado ajuda, pois a moça estava quase sendo pisoteada pelos passantes devido o espaço que ocupava na calçada. Ninguém tinha chamado ajuda e um cara ainda disse, com um sorriso irônico, que ela estava curtindo a ressaca.

                A jovem estava machucada, com marcas de picadas pelo corpo todo, um olho roxo e com os pontos ainda evidentes de um ferimento no nariz. Liguei pro SAMU, caiu a ligação, aí liguei pra PM e enviaram uma viatura. Durante os vinte minutos que aguardei os policiais, a moça se revirava, parecia sentir dores, e não sei quantas pessoas passaram por ela sem olhar, só desviando da matéria incômoda em seu trajeto; outras tantas a olhavam com piedade, mais ou menos 3 segundos de piedade, e iam embora; duas ou três se preocuparam e falaram que era melhor ligar pra alguém, mas não ligaram. Como fiquei lá de plantão, para que pelo menos ela não fosse pisoteada, uma pessoa me perguntou se a conhecia, outra perguntou se eu era assistente social, outra se era oficial de justiça. O dono do bar e sua mulher disseram pra mim que não adiantava nada chamar alguém pra ajudar, eles viam muitas pessoas assim, e não tinha como ajudar. Ouvi quieta, com atenção. E continuei a esperar os PMs.

                Quando os policiais chegaram, um deles desceu, agradeceu minha chamada e foi conversar com a moça que, ao ouvir a voz do cara, rapidamente se sentou. Era um policial do bem, daqueles que a gente fica feliz por existir. A conversa entre nós três foi rápida: ela estava com ressaca, com certeza de bebida e provavelmente de drogas, o policial disse que ambulância não atende quem está embriagado e que ele não podia fazer nada porque a menina dizia que tinha casa mas queria ficar na rua. Na hora que ele pediu o nome dela, ela olhou pra mim e disse: “Viu o que você fez?”  Entendi o que fiz. Entendi mesmo. Ela ainda me perguntou: “Você se preocupou comigo?” E seus olhos brilharam. Logo em seguida pediu que lhe comprasse comida.

                O policial foi embora, com o nome fake da garota e meu nome de verdade, dizendo que tinha tido boa intenção, mas essas coisas são complicadas, não tem como resolver, não tem pra onde levar a garota, não tem como ajudar e provavelmente amanhã ela estará nas mesmas condições. Sim, essas coisas são complicadas, eu não consegui resolver, fiz o que achava que tinha que fazer, e vou continuar fazendo até encontrar – e poder fazer -  coisa melhor. Paguei uma coxinha pra menina, que podia muito bem ser minha irmã, minha amiga, minha sobrinha, e deixei o troco pra ela. Quando estava saindo do bar, a mulher que a servia me disse: “Tá vendo? Ela quer uma pinga.”  

                Ah, menina, desculpe se não posso realmente te ajudar, porque te ajudar seria te trazer pra casa, te dar abrigo, conversar contigo, te levar pra um tratamento de saúde, te apoiar no seu dia-a-dia, e ter consciência que mesmo se pudesse fazer isso por você, seria apenas uma tentativa, não uma certeza de que sua vida seria melhor. Só você pode deixar sua vida melhor.

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