Em
fevereiro de 2007, tive uma experiência que transformou minha vida: percebi,
pela primeira vez, o Daimoku (1), o mantra (2) do budismo de Nitiren Daishonin (3).
O
legal é que deve ter umas figuras por este mundo afora que, além de gostarem bastante
de mim e terem suportado anos de ceticismo e pensamentos materialistas, também me
conhecem muito bem e sabem como me conduzir, pois o caminho que me levou a
viver esse momento espiritual decisivo foi motivado por desejos tão mundanos...
Uma
semana antes do acontecimento que me abriu as portas para uma reaproximação com
aquilo que chamo de divino, fui ao
ensaio da bateria da Escola de Samba
Rosas de Ouro, e conheci o tio do namorado da minha sobrinha. Estava com muita
dor nos ombros, porque no dia anterior tinha caído de mau jeito no Aikidô (4), tinha tomado muito remédio
pra passar a dor física e afetiva, pois naquele
mesmo dia havia colocado um ponto final numa história com um rapaz que estava
saindo e que descobri – por acaso! – que tinha uma namorada. Estava bem jururu,
bem dolorida, e sem nenhuma vontade de sair de casa; além de tudo, não gosto de
multidão, não sei dançar e, apesar de gostar de um bom samba, naquele dia
estava mais afins de ouvir minha ópera preferida ou alguma canção de dor de cotovelo
cantada pela Elis Regina. Mas os sobrinhos insistiram tanto – e queriam tanto
ajuntar os tios recém-separados - que resolvi aceitar o convite e cair no
samba.
Chegando
lá, conheci o Tio. Um cara super legal, que até conseguiu me fazer dançar no meio da quadra, junto com a moçada que
ensaiava pro desfile. E entre um tum-tum-Tum-tum,
tum-Tum-tum, tum-Tum da bateria, no meio daquele alvoroço e gritaria de
gentes alegres e suadas, entre uma “breja” e outra, descobri, sei lá como, que
ele era budista. E foi tudo tão legal naquele dia, e o cara era tão gente boa que
combinamos um novo encontro, só que num outro tipo de “escola”.
No
sábado seguinte, o último antes do carnaval, o Tio me levou pra uma
reunião budista. Chegamos uns quinze minutos antes de iniciar a palestra, e
umas três ou quatro pessoas já estavam fazendo o Daimoku. O som que vinha da sala era muito agradável, e senti-me
atraída. Meu novo amigo era budista havia mais de vinte anos, e percebi que
estava ali a trabalho; então, pra deixá-lo à vontade, sentei-me entre as outras
pessoas na sala principal – que naquele momento já contavam mais ou menos dez
vozes - e comecei a entoar o mantra, enquanto a moça sentada ao lado apontava,
atenciosamente, as palavras que falávamos em grupo. O som ia ficando cada vez mais bonito, porque
cada vez mais gente o cantava, e apareciam novas harmonias apesar das palavras
serem sempre as mesmas, faladas/cantadas ao mesmo tempo, mas em diferentes entonações.
Parecia um coral, mas tinha um sei lá o
que a mais, que não sabia explicar,
só sabia sentir. E lá fiquei, cantando de olhos fechados, sentindo aquelas
vibrações, junto aos outros quarenta sons humanos que foram aparecendo.
Desde
então, os sons daquelas palavras pertencem aos meus pensamentos.
No
dia seguinte, acordei com a lembrança daquela “música coral” que repetia, a
várias vozes, insistentemente, Nam myoho
renghe kyo (5), numa espécie de
compasso ternário (6). E no outro dia também, e nos outros, idem. E
aí começaram a acontecer coisas estranhas,
ao menos para aquela pessoa que fui.
Comecei
a freqüentar as reuniões budistas, a ler sobre budismo e a fazer o mantra todos
os dias pela manhã. Só que ele também aparecia em meus pensamentos quando bem
entendia! E geralmente pra afastar maus pensamentos... Era só começar a pensar
em besteira, que ... zapt! Nam myohorenghekyo, nammyohorenghekyo , nammyohorenghekyo, vinha a melodia
na minha cabeça. E aí comecei a usar esse “truque” de forma consciente: quando
aparecia algum pensamento indesejado, pensava no mantra. Isso foi me deixando
cada vez mais tranqüila, cada vez mais em paz, e olha que nem podia imaginar
que existia tanta paz nessa vida! E o
mais engraçado de tudo é que só fazia o mantra porque gostava do seu som, mas
não tinha a menor idéia de seus benefícios pois ignorava completamente o poder
que despertamos ao pensar nesses sons, nesses símbolos sonoros sagrados.
Mas
o mais bonito que o mantra me ofereceu, foi uma maneira especial de amar.
Começou a acontecer depois de um ou dois meses
de prática. Ao fazer o Daimoku,
sentia-me invadida por um sentimento indescritível, uma sensação de bem-estar única,
que meus sentidos traduziram com a palavra AMOR, e parte deste sentimento se
direcionava, naturalmente, aos meus pais.
Desde
a adolescência, por incompatibilidade de personalidades e visões de mundo, tive
um relacionamento péssimo com meus pais, e só vinha piorando com o passar dos
anos. Ninguém mais pensava em concertar, ou conseguir uma compreensão mútua, ou
ao menos tolerância. Estávamos todos tão
magoados pelos anos de brigas, que nenhum dos três estava disposto a dar um
único passo que fosse no sentido de construir um relacionamento sadio.
E
a situação poderia ter ficado assim, se não fosse a transformação que aquele
mantra começou a fazer em mim.
Foram
vários dias consecutivos que vinha forte, durante a prática do Daimoku, aquelas ondas de amor, amor por
tudo e todos, e também pelos meus pais. Começaram a brotar frases em minha
mente, sentia-me impingida a
comunicá-las aos meus pais; era muito mais forte que meu orgulho. E foi isso
que fiz.
Cheguei
um dia na casa deles, e disse, com aquele sentimento que saía do coração e
harmonizava o ambiente, aquilo que aparecia na mente enquanto cantava o mantra,
que os amava, porque eles me deram o que
existe de mais precioso neste mundo: a oportunidade de viver.
Depois
de menos de um mês, meu pai entrou no hospital porque quebrou o fêmur em uma
queda, e aí foi diagnosticado um câncer em fase terminal. Em três meses ele
abandonou seu corpo físico.
Foi
a primeira vez na vida que presenciei alguém sofrendo sem que pudesse fazer
nada pra fazer parar a dor. Foi a primeira vez que cuidei de um doente terminal. Foi a primeira vez que, aquilo que chamam de
morte, estava ao meu lado. E aquele era o meu pai. Contudo, reinava uma
harmonia sincera, tão recente, e fundamental para manter a calma naquela
situação de despedida.
Hoje
sei que o TODO, ABSOLUTO, UNO, DEUS, ENERGIA FUNDAMENTAL, existe, seja lá qual
for seu nome. Não sei descrever essa FORÇA pois considero insuficientes meus parâmetros
humanos; só sei que existe pois o senti, porque as estradas de luz apareceram
no momento exato, antes da hora em que mais precisei, quando ainda nem
desconfiava do quanto seria necessário conhecer com o coração.
Hoje,
além do Daimoku e de outros mantras,
das meditações, leituras, orações, também expresso uma palavra, em português, quase
um mantra, ao acordar, ao adormecer, e em outros momentos ao longo do dia. É
bem simples, e quando falamos com o coração, parece que a vida nos compreende:
Agradecida!
(Escrito em 06 de outubro de 2008)
1. Daimoku é o nome dado ao
ato de recitar continuamente o Nam myōhō renge kyō, mantra do budismo de Nitiren. (do site Wikepedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Daimoku
2. Mantra - do sânscrito Man (manas - mente) e Tra
(controle ou equilíbrio). Wagner Borges
fez uma belíssima tradução desta palavra em sua palestra do dia 26 de setembro
de 2008, no IPPB ( www.ippb.org.br ) : Pensene de poder. (Pen = pensamento; sen = sentimento; ene =
energia).
Cecília
Valentim, em seu Livro-Texto e CD – círculo de prática de
mantras – MATRIKA, diz que mantra
significa “o som que liberta a mente”
(p. 8)
3. Nitiren ou Nichiren
(16 de fevereiro,
1222 - 13 de outubro,
1282), nascido
Zennichimaro , mais tarde Zeshō-bō Renchō e algumas vezes chamado de Nichiren
Shōnin ou Nichiren Daishōnin , era um monge budista
do Japão
do século 13. Fundou o budismo Nitiren, um importante segmento do budismo japonês que engloba dúzias de escolas
de diversas interpretações doutrinárias. Antes de falecer entretanto deixou
documentos transferindo seus ensinamentos a seu discipulo Nikko
que construiu um templo chamado de Templo Principal Taisekiji, onde é a sede da
Nichiren Shoshu. (do site Wikepedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Nitiren_Daishonin
)
4. Aikidô – Do japonês: Ai :
harmonia, Ki : energia, Dô : caminho; caminho da
harmonização das energias. (do site Wikipedia : http://pt.wikipedia.org/wiki/Aikid%C3%B4
)
Luta marcial japonesa, onde não existe competição e seu treino estimula os
sentimentos de fraternidade e cooperação.
5. Nam myoho renghe kyo – É um mantra de
signficado complexo, extraído por Nitiren
Daishonin do título da tradução japonesa do Sutra de Lótus (Myoho-renghe-kyo).
Nam é a única palavra não japonesa do mantra e
vem do sânscrito Namos, que significa devoção, dedicação, reverência.
Para uma
explicação mais detalhada, recomendo o site da
Vertex: http://www.vertex.com.br/users/san/daimoku.htm
6. Digo espécie de
compasso ternário (onde o primeiro tempo
é mais forte que os dois últimos), pois tenho consciência de que são meus
ouvidos ocidentalizados que colocam este padrão no mantra. Talvez os povos de
outras culturas o ouçam e o reproduzam em maneira diferente.
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