segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Nam myoho renghe kyo



         Em fevereiro de 2007, tive uma experiência que transformou minha vida: percebi, pela primeira vez, o Daimoku (1), o mantra (2) do budismo de Nitiren Daishonin (3).
         O legal é que deve ter umas figuras por este mundo afora que, além de gostarem bastante de mim e terem suportado anos de ceticismo e pensamentos materialistas, também me conhecem muito bem e sabem como me conduzir, pois o caminho que me levou a viver esse momento espiritual decisivo foi motivado por desejos tão mundanos...
         Uma semana antes do acontecimento que me abriu as portas para uma reaproximação com aquilo que chamo de divino, fui ao ensaio da bateria da Escola de Samba Rosas de Ouro, e conheci o tio do namorado da minha sobrinha. Estava com muita dor nos ombros, porque no dia anterior tinha caído de mau jeito no Aikidô (4), tinha tomado muito remédio pra passar a dor física e afetiva, pois  naquele mesmo dia havia colocado um ponto final numa história com um rapaz que estava saindo e que descobri – por acaso! – que tinha uma namorada. Estava bem jururu, bem dolorida, e sem nenhuma vontade de sair de casa; além de tudo, não gosto de multidão, não sei dançar e, apesar de gostar de um bom samba, naquele dia estava mais afins de ouvir minha ópera preferida ou alguma canção de dor de cotovelo cantada pela Elis Regina. Mas os sobrinhos insistiram tanto – e queriam tanto ajuntar os tios recém-separados - que resolvi aceitar o convite e cair no samba.
         Chegando lá, conheci o Tio. Um cara super legal, que até conseguiu me fazer dançar  no meio da quadra, junto com a moçada que ensaiava pro desfile. E entre um tum-tum-Tum-tum, tum-Tum-tum, tum-Tum da bateria, no meio daquele alvoroço e gritaria de gentes alegres e suadas, entre uma “breja” e outra, descobri, sei lá como, que ele era budista. E foi tudo tão legal naquele dia, e o cara era tão gente boa que combinamos um novo encontro, só que num outro tipo de “escola”.
         No sábado seguinte, o último antes do carnaval, o Tio me levou pra uma reunião budista. Chegamos uns quinze minutos antes de iniciar a palestra, e umas três ou quatro pessoas já estavam fazendo o Daimoku. O som que vinha da sala era muito agradável, e senti-me atraída. Meu novo amigo era budista havia mais de vinte anos, e percebi que estava ali a trabalho; então, pra deixá-lo à vontade, sentei-me entre as outras pessoas na sala principal – que naquele momento já contavam mais ou menos dez vozes - e comecei a entoar o mantra, enquanto a moça sentada ao lado apontava, atenciosamente, as palavras que falávamos em grupo.  O som ia ficando cada vez mais bonito, porque cada vez mais gente o cantava, e apareciam novas harmonias apesar das palavras serem sempre as mesmas, faladas/cantadas ao mesmo tempo, mas em diferentes entonações. Parecia um coral, mas tinha um sei lá o que a mais, que  não sabia explicar, só sabia sentir. E lá fiquei, cantando de olhos fechados, sentindo aquelas vibrações, junto aos outros quarenta sons humanos que foram aparecendo.
         Desde então, os sons daquelas palavras pertencem aos meus pensamentos.
         No dia seguinte, acordei com a lembrança daquela “música coral” que repetia, a várias vozes, insistentemente, Nam myoho renghe kyo (5), numa espécie de compasso ternário (6).  E no outro dia também, e nos outros, idem. E aí começaram a acontecer coisas estranhas, ao menos para aquela pessoa que fui.
         Comecei a freqüentar as reuniões budistas, a ler sobre budismo e a fazer o mantra todos os dias pela manhã. Só que ele também aparecia em meus pensamentos quando bem entendia! E geralmente pra afastar maus pensamentos... Era só começar a pensar em besteira, que ... zapt! Nam myohorenghekyo, nammyohorenghekyo , nammyohorenghekyo, vinha a melodia na minha cabeça. E aí comecei a usar esse “truque” de forma consciente: quando aparecia algum pensamento indesejado, pensava no mantra. Isso foi me deixando cada vez mais tranqüila, cada vez mais em paz, e olha que nem podia imaginar que existia tanta paz nessa vida!  E o mais engraçado de tudo é que só fazia o mantra porque gostava do seu som, mas não tinha a menor idéia de seus benefícios pois ignorava completamente o poder que despertamos ao pensar nesses sons, nesses símbolos sonoros sagrados.
         Mas o mais bonito que o mantra me ofereceu, foi uma maneira especial de amar.
          Começou a acontecer depois de um ou dois meses de prática. Ao fazer o Daimoku, sentia-me invadida por um sentimento indescritível, uma sensação de bem-estar única, que meus sentidos traduziram com a palavra AMOR, e parte deste sentimento se direcionava, naturalmente, aos meus pais.
         Desde a adolescência, por incompatibilidade de personalidades e visões de mundo, tive um relacionamento péssimo com meus pais, e só vinha piorando com o passar dos anos. Ninguém mais pensava em concertar, ou conseguir uma compreensão mútua, ou ao menos tolerância.  Estávamos todos tão magoados pelos anos de brigas, que nenhum dos três estava disposto a dar um único passo que fosse no sentido de construir um relacionamento sadio.
         E a situação poderia ter ficado assim, se não fosse a transformação que aquele mantra começou a fazer em mim.
         Foram vários dias consecutivos que vinha forte, durante a prática do Daimoku, aquelas ondas de amor, amor por tudo e todos, e também pelos meus pais. Começaram a brotar frases em minha mente,  sentia-me impingida a comunicá-las aos meus pais; era muito mais forte que meu orgulho. E foi isso que fiz.
         Cheguei um dia na casa deles, e disse, com aquele sentimento que saía do coração e harmonizava o ambiente, aquilo que aparecia na mente enquanto cantava o mantra, que os amava, porque eles me deram o que existe de mais precioso neste mundo: a oportunidade de viver.
         Depois de menos de um mês, meu pai entrou no hospital porque quebrou o fêmur em uma queda, e aí foi diagnosticado um câncer em fase terminal. Em três meses ele abandonou seu corpo físico.
         Foi a primeira vez na vida que presenciei alguém sofrendo sem que pudesse fazer nada pra fazer parar a dor. Foi a primeira vez que cuidei de um doente terminal.  Foi a primeira vez que, aquilo que chamam de morte, estava ao meu lado. E aquele era o meu pai. Contudo, reinava uma harmonia sincera, tão recente, e fundamental para manter a calma naquela situação de despedida. 
         Hoje sei que o TODO, ABSOLUTO, UNO, DEUS, ENERGIA FUNDAMENTAL, existe, seja lá qual for seu nome. Não sei descrever essa FORÇA pois considero insuficientes meus parâmetros humanos; só sei que existe pois o senti, porque as estradas de luz apareceram no momento exato, antes da hora em que mais precisei, quando ainda nem desconfiava do quanto seria necessário conhecer com o coração.
         Hoje, além do Daimoku e de outros mantras, das meditações, leituras, orações, também expresso uma palavra, em português, quase um mantra, ao acordar, ao adormecer, e em outros momentos ao longo do dia. É bem simples, e quando falamos com o coração, parece que a vida nos compreende:
Agradecida!

(Escrito em 06 de outubro de 2008)


1. Daimoku  é o nome dado ao ato de recitar continuamente o Nam myōhō renge kyō, mantra do budismo de Nitiren. (do site Wikepedia -  http://pt.wikipedia.org/wiki/Daimoku
2. Mantra - do sânscrito Man (manas - mente) e Tra (controle ou equilíbrio). Wagner Borges fez uma belíssima tradução desta palavra em sua palestra do dia 26 de setembro de 2008, no IPPB ( www.ippb.org.br ) : Pensene de poder. (Pen = pensamento; sen = sentimento; ene = energia).
Cecília Valentim, em seu Livro-Texto e CD – círculo de prática de mantras – MATRIKA, diz que mantra significa “o som que liberta a mente” (p. 8)
3. Nitiren ou Nichiren (16 de fevereiro, 1222 - 13 de outubro, 1282), nascido Zennichimaro , mais tarde Zeshō-bō Renchō e algumas vezes chamado de Nichiren Shōnin ou Nichiren Daishōnin , era um monge budista do Japão do século 13. Fundou o budismo Nitiren, um importante segmento do budismo japonês que engloba dúzias de escolas de diversas interpretações doutrinárias. Antes de falecer entretanto deixou documentos transferindo seus ensinamentos a seu discipulo Nikko que construiu um templo chamado de Templo Principal Taisekiji, onde é a sede da Nichiren Shoshu. (do site Wikepedia -  http://pt.wikipedia.org/wiki/Nitiren_Daishonin )
4. Aikidô – Do japonês: Ai : harmonia, Ki : energia,  : caminho; caminho da harmonização das energias. (do site Wikipedia : http://pt.wikipedia.org/wiki/Aikid%C3%B4 )
Luta marcial japonesa, onde não existe competição e seu treino estimula os sentimentos de fraternidade e cooperação.
5. Nam myoho renghe kyo – É um mantra de signficado complexo, extraído por Nitiren Daishonin do título da tradução japonesa do Sutra de Lótus (Myoho-renghe-kyo).
Nam é a única palavra não japonesa do mantra e vem do sânscrito Namos, que significa devoção, dedicação, reverência.
Para uma explicação mais detalhada, recomendo o site da  Vertex: http://www.vertex.com.br/users/san/daimoku.htm
6. Digo espécie de compasso ternário  (onde o primeiro tempo é mais forte que os dois últimos), pois tenho consciência de que são meus ouvidos ocidentalizados que colocam este padrão no mantra. Talvez os povos de outras culturas o ouçam  e o reproduzam  em maneira diferente.


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