sábado, 21 de abril de 2012


Quem de fato consegue relatar o fato?

                Minha querida terapeuta, Maísa Intelisano, já me perguntou duas vezes “o que é de fato?”. Na primeira vez me esforcei ao máximo pra me distanciar emocionalmente, tentar alcançar a experiência com racionalidade, tirando as vestimentas pessoais da situação. Hmmm... Na segunda vez, me dei por vencida: impossível observar o fato por si só; sempre serei eu a percebê-lo, por maior que seja o esforço de isentá-lo das roupas pessoais. Algo interior, o mínimo que seja, deformará o fato externo. (Externo?) Lembrei-me de dois livros que li há muitos anos atrás. No “Mayombe” de Pepetela, um maravilhoso escritor angolano, ele descreve o mesmo fato através dos olhos de várias pessoas de culturas diferentes. Preciso reler o livro, mas do que me lembro, o “fato em si” tinha algumas pequenas semelhanças nos diversos relatos, mas dependendo da maneira como eram vistos/vividos, eram interpretados em maneiras completamente distintas, e acabavam por provocar reações ainda mais diferentes. O outro livro é “Exercícios de Estilo” de Raymond Queneau (esse encontrei disponível na net: http://pt.scribd.com/doc/58086474/Exercicios-de-Estilo-de-Raymond-Queneau-em-Portugues ) onde ele conta 99 vezes a mesma história banal em diversos estilos, e nem sempre a gente consegue reconhecer  de fato “o fato”.  Tendencialmente cubro  os fatos com aquilo que chamam de fantasias... Hmmmm... Prefiro dizer que são significados outros, às vezes incomuns, mas que pertencem à minha realidade. Sei que às vezes estou com óculos cor de rosa, outras com cinzas, ou amarelos, azuis... São minhas lentes, e sabendo que essas lentes, apesar de serem reais, de fazerem parte da minha verdade, nem sempre conseguem alcançar a realidade dos outros. Sabendo disso, procuro ouvir a descrição das outras realidades, tornar cotidiano o exercício que fiz ao tentar responder pela primeira vez a pergunta da minha terapeuta. Procuro entender o que exagero, o que floreio, quais são as emoções que estão presentes na interpretação do fato do momento e quais  experiências passadas me levam a enxergar dessa maneira; quais são os fantasmas, quais são as sombras, as neuroses que distorcem os fatos. Outras vezes relaxo, e só me deixo sentir o frescor do doce vento de outono. Sim, é apenas um vento, mas é fresco, doce e aqui está, nesta estação.

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