Caminho
bem, tranquila, feliz, aberta, cheia de vitalidade quando, de repente, ela
aparece outra vez: a armadilha. No primeiro momento culpo o externo, a vida, os
outros, a situação. É natural, é o primeiro impulso se revoltar, colocar a
raiva pra fora, vociferar, praguejar, deixar as emoções fluírem, deixar os pensamentos viajarem em possibilidades,
hipóteses, fantasias. O segundo momento, pra mim, é canalizar essa energia: correr, nadar, meditar,
fazer yoga, encher os ouvidos de meus queridos amigos e de minha querida amiga
e terapeuta Maísa Intelisano, escrever, desenhar, compor, me expressar em alguma
maneira. Aí começa o alívio, mas a armadilha ainda me prende. É como se me
aproximasse devagar do monstro, com cuidado e respeito, sem o medo e
afastamento do primeiro momento, mas ainda sem conseguir enxergar a real
natureza da armadilha. O terceiro momento é o mais difícil, é encarar as
sombras, é reviver o que quero esquecer, é acordar aquilo que, por proteção ou conveniência, já nem me lembro mais. Meu terceiro momento é olhar com compaixão e
firmeza pra força destruidora, é falar pra ela: “Tudo bem, você está aí
gritando porque quer ter teu espaço. Já te encontrei, e agora vou encontrar um
lugar pra você: vou te colocar no devido
lugar!” É aí que me liberto e posso começar a recolher “os ossos”, iniciar o ciclo
de vida/morte/vida; o processo constante da construção-equilíbrio-remodelação.
Sonhei nesta semana que estava numa casa, numa sala
branca e sem móveis, com homens e mulheres que não conheço mas que sentia serem meus amigos. Estávamos em
silêncio, daqueles silêncios gostosos
que só cúmplices conseguem viver, e aí um cofre explodiu e estilhaçou os vidros.
Não ficamos perturbados, mas começamos a limpar a sala e voltamos ao silêncio,
mas o cofre explodiu outra vez, e junto com os estilhaços tinham resíduos
escuros, uma espécie de poeira gosmenta. Pensei: ”Ai, que saco, limpar outra
vez!” Mas meus amigos estavam tranquilos, tinham aquele sorriso de bem estar em
seus rostos, e me ajudaram a limpar a casa outra vez. E voltamos ao silêncio, à
plenitude dos doces silêncios compartilhados...
A
viagem é longa, constante, dura, e tem de tudo, desde estrelas luminosas até o
esterco mais fétido, e tudo isso precisa de um espaço, de um lugar, de
reconhecimento. Integração. Apanhei os ossos escolhidos, montei o esqueleto num local recolhido. Acendi o fogo sagrado e, observando a figura inerte, busquei na fonte, na intuição, a canção certa.
Encontrei a canção certa desta vez! Cantei, e os sons cobriram de carne, sangue
e pelos a estrutura. E ela/ele saiu correndo, viva/o e brilhante, livre,
audaz, feliz.
(
Quando for o momento, leiam – ou releiam - “Mulheres que correm com os lobos”,
de Clarissa Pinkole Estés)
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