segunda-feira, 30 de abril de 2012

Armadilhas



               Caminho bem, tranquila, feliz, aberta, cheia de vitalidade quando, de repente, ela aparece outra vez: a armadilha. No primeiro momento culpo o externo, a vida, os outros, a situação. É natural, é o primeiro impulso se revoltar, colocar a raiva pra fora, vociferar, praguejar, deixar as emoções fluírem, deixar os pensamentos viajarem em possibilidades, hipóteses, fantasias. O segundo momento, pra mim,  é canalizar essa energia: correr, nadar, meditar, fazer yoga, encher os ouvidos de meus queridos amigos e de minha querida amiga e terapeuta Maísa Intelisano, escrever, desenhar, compor, me expressar em alguma maneira. Aí começa o alívio, mas a armadilha ainda me prende. É como se me aproximasse devagar do monstro, com cuidado e respeito, sem o medo e afastamento do primeiro momento, mas ainda sem conseguir enxergar a real natureza da armadilha. O terceiro momento é o mais difícil, é encarar as sombras, é reviver o que quero esquecer, é acordar aquilo que, por proteção ou conveniência, já nem me lembro mais. Meu  terceiro momento é olhar com compaixão e firmeza pra força destruidora, é falar pra ela: “Tudo bem, você está aí gritando porque quer ter teu espaço. Já te encontrei, e agora vou encontrar um lugar pra você:  vou te colocar no devido lugar!” É aí que me liberto e posso começar a recolher “os ossos”, iniciar o ciclo de vida/morte/vida; o processo constante da construção-equilíbrio-remodelação.

                Sonhei  nesta semana que estava numa casa, numa sala branca e sem móveis, com  homens e mulheres que não conheço  mas que sentia serem meus amigos. Estávamos em silêncio,  daqueles silêncios gostosos que só cúmplices conseguem viver, e aí um cofre explodiu e estilhaçou os vidros. Não ficamos perturbados, mas começamos a limpar a sala e voltamos ao silêncio, mas o cofre explodiu outra vez, e junto com os estilhaços tinham resíduos escuros, uma espécie de poeira gosmenta. Pensei: ”Ai, que saco, limpar outra vez!” Mas meus amigos estavam tranquilos, tinham aquele sorriso de bem estar em seus rostos, e me ajudaram a limpar a casa outra vez. E voltamos ao silêncio, à plenitude dos doces silêncios compartilhados...

                A viagem é longa, constante, dura, e tem de tudo, desde estrelas luminosas até o esterco mais fétido, e tudo isso precisa de um espaço, de um lugar, de reconhecimento. Integração. Apanhei os ossos escolhidos, montei o esqueleto num local recolhido. Acendi o fogo sagrado e, observando a figura inerte,  busquei na fonte, na intuição, a canção certa. Encontrei a canção certa desta vez! Cantei, e os sons cobriram de carne, sangue e pelos a estrutura. E ela/ele saiu correndo, viva/o e brilhante, livre, audaz, feliz.

                ( Quando for o momento, leiam – ou releiam - “Mulheres que correm com os lobos”, de Clarissa Pinkole Estés) 

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