terça-feira, 20 de novembro de 2012

Todo sabiá-laranjeira um dia para de cantar


                “Mãe, tem um passarinho morto!” – gritou a menininha maior que nadava na piscina.

                É, ele estava morto, um pequenino cadáver de sabiá-laranjeira que a miopia dos olhos sem lentes me fez confundir com uma folha. Só foi saber da notícia pra começar a sentir o cheiro da putrefação, um asco em saber do corpinho inerte, sem vida, sem alma, sem brilho. Coloquei os óculos e senti um grande nada ao ver a matéria que um dia se comportou como pássaro. As crianças, porém, estavam tristes;  a mãe estava sem saber o que fazer e olhava pra mim, talvez pra intuir através da leitura da minha face alguma ideia do que dizer ou pensar. Senti-me constrangida, como se devesse dar algum parecer, então soltei a pérola “É, um dia tudo morre.” Como disse minha sobrinha, se não tem nada pra falar, tosse. Perdi a chance de tossir... A menorzinha olhou-me com aqueles olhos grandes, aqueles que prenunciam as interrogações infantis, e por frações de segundo  imaginei como seria possível tranquilizar o pequeno ser a respeito daquilo que chamam ‘morte’, a  transformação  de tudo e de todos,  já que eu mesma não me sinto assim tão preparada.  Fiquei ainda mais aflita quando notei  o olhar da pequena mudando feito zoom em direção à sua mãe... Ai, ai, ai... passarinho duro e estendido = morte;  adulta disse que tudo morre, logo minha mãe...  Coff, coff !!!  Podia ter sido tarde demais se a mãe das garotas não tivesse concordado prontamente, como boa professora de matemática do curso de engenharia: “É, tudo morre; hoje foi a vez dele.” Talvez sem perceber a angústia da filha menor, ou talvez por saber dessa tendência e por opção escolher desdramatizar, o papo continuou sobre as hipotéticas causa mortis do bichinho: voou e bateu a cabeça na quina; estava se sentindo mal, resolveu beber um pouco de água e morreu ali mesmo; foi envenenado pelo cloro, etc.  A mãe e a maior estavam animadas, a pequena, um pouco menos; eu, viajando por outros pensamentos...

                Em algum lugar perdi a leveza que tinha em relação ao que acaba; acho que foi no momento em que me apeguei a alguém, ou alguma coisa, alguma ideia, alguma maneira de viver, sei lá ao que me apeguei, sei apenas que senti apego e senti a dor da perda, e que gostaria de não sentir mais essa dor.  Entendo racionalmente a finitude, mas não suporto o processo inevitável que leva as coisas que amo pra longe. Aceito o fato consumado, as carcaças, a matéria inerte, mas não sei o que fazer com aquilo que está apodrecendo. E vou ter que aprender a lidar com isso, com os sabiás-laranjeira que um dia deixam de cantar. 

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