“Mãe,
tem um passarinho morto!” – gritou a menininha maior que nadava na
piscina.
É, ele
estava morto, um pequenino cadáver de sabiá-laranjeira que a miopia dos olhos
sem lentes me fez confundir com uma folha. Só foi saber da notícia pra começar
a sentir o cheiro da putrefação, um asco em saber do corpinho inerte, sem vida,
sem alma, sem brilho. Coloquei os óculos e senti um grande nada ao ver a
matéria que um dia se comportou como pássaro. As crianças, porém, estavam
tristes; a mãe estava sem saber o que
fazer e olhava pra mim, talvez pra intuir através da leitura da minha face
alguma ideia do que dizer ou pensar. Senti-me constrangida, como se devesse dar
algum parecer, então soltei a pérola “É, um dia tudo morre.” Como disse minha
sobrinha, se não tem nada pra falar, tosse. Perdi a chance de tossir... A
menorzinha olhou-me com aqueles olhos grandes, aqueles que prenunciam as
interrogações infantis, e por frações de segundo imaginei como seria possível tranquilizar o
pequeno ser a respeito daquilo que chamam ‘morte’, a transformação
de tudo e de todos, já que eu
mesma não me sinto assim tão preparada.
Fiquei ainda mais aflita quando notei
o olhar da pequena mudando feito zoom em direção à sua mãe... Ai, ai,
ai... passarinho duro e estendido = morte;
adulta disse que tudo morre, logo minha mãe... Coff, coff !!! Podia ter sido tarde demais se a mãe das
garotas não tivesse concordado prontamente, como boa professora de matemática
do curso de engenharia: “É, tudo morre; hoje foi a vez dele.” Talvez sem
perceber a angústia da filha menor, ou talvez por saber dessa tendência e por
opção escolher desdramatizar, o papo continuou sobre as hipotéticas causa
mortis do bichinho: voou e bateu a cabeça na quina; estava se sentindo mal, resolveu
beber um pouco de água e morreu ali mesmo; foi envenenado pelo cloro, etc. A mãe e a maior estavam animadas, a pequena,
um pouco menos; eu, viajando por outros pensamentos...
Em
algum lugar perdi a leveza que tinha em relação ao que acaba; acho que foi no momento em que me apeguei a alguém,
ou alguma coisa, alguma ideia, alguma maneira de viver, sei lá ao que me
apeguei, sei apenas que senti apego e senti a dor da perda, e que gostaria de
não sentir mais essa dor. Entendo racionalmente
a finitude, mas não suporto o processo inevitável que leva as coisas que amo
pra longe. Aceito o fato consumado, as carcaças, a matéria inerte, mas não sei
o que fazer com aquilo que está apodrecendo. E vou ter que aprender a lidar com
isso, com os sabiás-laranjeira que um dia deixam de cantar.
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